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Privacidade capenga

Posted by Sinho Luis on 05:51
Em tempo de tantos “olhos eletrônicos”, em crescente aprimoramento e expansão de sua capacidade na arte de bisbilhotar, arma-se polêmica em torno da violação da privacidade, direito que o indivíduo tem sobre o que é exclusivamente seu, ou seja, sua intimidade, detalhes de sua vida pessoal que, em princípio, não têm correlação com vida de terceiros. Ao indivíduo cabe esse direito com mais propriedade, em seu domicílio, não importando que este seja mísero barraco de favela ou luxuosa mansão, para que ali esteja consigo mesmo, livre de interferências alheias, sozinho ou com sua família. 
Fora desse recinto e do recesso do lar, o que se chama privacidade está nos aposentos privativos de hotel, banheiros e outros locais que podem se configurar como privativos. 
Na rua, a privacidade se reduz ao próprio corpo e ao que ele porta nas vestes, enquanto suspeitas não há sobre riscos à segurança ou violação à lei. A rigor, fora desses casos, não há privacidade, razão pela qual quem não quer ser visto e ouvido, fotografado, gravado, filmado e comentado que não se exponha.
Equipamentos, ditos de espionagem e considerados ficção avançada nos filmes da série “James Bond”, estão ao alcance de qualquer pessoa, bastando-lhe curiosidade extrema sobre a vida alheia, para que, do feito em público, nada se perca no ar. Minigravadores, microcâmeras e transmissores, camuflados em outros objetos, estão à disposição do público por preços ao alcance da grande maioria dos consumidores. Em cima dessa disposição devassante, tecnologia avançada, curiosidade e ambição empresarial se somaram nos planos de grande multinacional da internet para colher cenas de ruas, concluídos o mapeamento e tomadas de imagens de qualquer ponto do planeta. Depois de tudo escarafunchado, cá em baixo, por meio de satélite, partem os idealizadores do projeto para a captação de imagens de rua, o “street reality show” com todas as nuanças, da miséria à glória humana. E é aí que o bicho já pega, no mundo, em várias das cidades escolhidas para a experiência inédita. 
Em se tratando de glórias, em que a vaidade humana fala mais alto, nada a reclamar se não mais exposição, pois o brilho ninguém dispensa. Mas, se colhido em situações vexatórias, o desventurado apela aos céus para que não seja exposto, chegando aos tribunais, com denúncias de violação de privacidade e ações indenizatórias. Velho dito popular adverte: “quem come a carne rói os ossos”. Ora, querer-se destacado pelo bem-feito justifica a mostra também do malfeito. Não há como escapar. O que acontece na rua é de domínio público e cabe ao cidadão cuidar de sua própria imagem, se não a quer caída no ridículo, divulgada pelos meios de comunicação e até mesmo explorada pelos que se comprazem com a queda do semelhante.
Embora até haja decisões judiciais favoráveis a reclamantes flagrados em situação desconfortável e humilhante, na rua, creio melhor aplicar-se o bom senso, antes que façam das denúncias e ações indenizatórias contra a empresa um meio fácil de ganhar dinheiro. Considero grave esse precedente judicial também em relação à liberdade de imprensa, cujos inimigos podem ver nisso um alento aos seus desejos e propósitos de amordaçá-la. Os tementes à imprensa, por motivos óbvios, estão sempre à espreita de oportunidade propícia para a criação de obstáculos legais contra seu livre exercício. Que ninguém se surpreenda se, dentro de pouco tempo, surgir quem pleiteie imposição de licença especial para fotografar na rua! Hoje, as investidas são contra páginas na internet, dependendo dos seus resultados a sorte de outros veículos de comunicação quanto à publicação de fotos desfavoráveis à pessoa focalizada. Como ficarão jornais e revistas? Qualquer bandido poderá apelar à Justiça contra jornal, denunciando e cobrando indenização por violação de privacidade, se fotografado na rua em flagrante delito. 
Quem, voluntária ou involuntariamente, se expõe em público corre riscos de ter os quinze minutos de fama ou ver seu nome marcado para sempre, na glória ou na lama, dependendo do seu nível mental e dos propósitos que o levam à exposição. Entretanto, circunstâncias alheias ao pensamento e à vontade do indivíduo podem colocá-lo em situação constrangedora que, à luz do seu não comprometimento, não merece ser exposta ao público, mais do que no momento do fato. Entretanto, vale mais o bom senso de um lado e do outro do que o apelo à Justiça, por algo que o indivíduo perde em quase sua totalidade ao sair de casa e por os pés na rua. Privacidade quer dizer vida privada; vida íntima; vida particular; intimidade. E isso ninguém tem na rua.
Os que se dizem invadidos em sua privacidade, em cenas de rua, estão a confundir alhos com bugalhos, ou, para ser mais atualizado, confundindo falhas no Enem com fraldas no neném.

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